Hilário
de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro
Décimo Segundo (Capítulos 44 - 57)
O livro XII fala do nascimento eterno do Verbo e termina com a
Oração que resume a sua fé na Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, e com a
súplica para que Deus conserve a sua fé. São 57 capítulos.
Capítulo 44.
1.
Pela
revelação da doutrina católica, reconhece, ó herege, em primeiro lugar o que significa
ter sido criado para o início dos caminhos de Deus e para as suas obras.
2.
Deves
admitir pelos ditos da própria Sabedoria a insensatez de tua impiedade, pois
ela assim começa: Se eu vos dissesse o que se faz cada dia, lembrar-me-ia de
enunciar aquelas coisas que existem desde o começo dos séculos (Pr 8,22;
LXX). Antes já tinha dito: A vós, ó homens, suplico, e levanto minha voz
para os filhos dos homens. Entendei, ó simples, a sagacidade. Ignorantes, abri
o coração (Pr 8,4-5), e: Por mim, reinam os reis, e os poderosos
decretam o que é justo. Por mim, os príncipes se engrandecem e por mim os
soberanos governam a terra (Pr 8,15-16), e de novo: Ando pelas veredas
da equidade e vou pelo caminho da justiça, para repartir a riqueza com os que
me amam, e encher de bens os seus tesouros (Pr 8,20-21).
3.
A
Sabedoria não esconde sua obra diária. Em primeiro lugar, exorta com instância
a todos para que os simples entendam a sagacidade, e os ignorantes abram o
coração, para que o leitor diligente considere atentamente os diversos sentidos
das palavras. Ensina que todas as coisas se realizam, se louvam, se alcançam,
se obtêm, com seus métodos e que estão nela os reinos dos soberanos, a
prudência dos poderosos, as obras grandiosas dos príncipes e o direito de governar
a terra concedido aos reis. Mostra que não tem parte na iniquidade nem pode ser
encontrada no meio da injustiça, para oferecer aos que a amam o tesouro dos
bens eternos e das riquezas incorruptíveis.
4.
Quando
anuncia o que acontece todo dia, lembra-se de enumerar aquelas coisas que
existem a partir do início do tempo.
5.
E
agora, que tolice é esta de imaginar que aquelas coisas que disse que existiam
desde o princípio foram feitas antes dos tempos? As coisas que existem desde o
princípio do mundo foram feitas depois do começo do tempo, mas o que é anterior
ao tempo veio antes da criação do mundo que lhe é posterior. A Sabedoria, que
declarou que iria lembrar as coisas que existem desde o começo dos tempos,
disse: O Senhor me criou para o início dos seus caminhos e para suas obras. Este
é o sentido das coisas feitas desde o começo. Este ensinamento não diz respeito
à geração, da qual se disse que é anterior aos tempos, mas sim ao plano
salvífico que teve início desde o começo dos tempos.
Capítulo 45.
6.
É
preciso perguntar o que significa que o Deus nascido antes dos séculos tenha
sido para o início dos caminhos de Deus e para suas obras, visto que onde há
natividade antes dos séculos, há também a eternidade da infinita geração;
porém, se há também criação desde o início, para os caminhos de Deus e para
suas obras, a causa da criação está relacionada às obras e aos caminhos.
7.
Em
primeiro lugar, sendo Cristo a Sabedoria, devemos perguntar se é Ele o início
dos caminhos das obras de Deus. Penso que não há dúvida, pois Ele disse: Eu
sou o caminho e: Ninguém vai ao Pai senão por mim (Jo 14,6). O
caminho guia os que andam, permite a corrida dos que têm pressa, oferece segurança
aos ignorantes, é mestre das coisas desconhecidas e desejadas.
8.
Portanto,
é criado para o início dos caminhos para as obras de Deus, porque é Caminho e
conduz ao Pai. Deve-se procurar a razão desta criação que vem desde o início.
Trata-se do mistério do desígnio salvífico definitivo, pelo qual Cristo, também
criado no corpo, declarou ser o caminho das obras de Deus.
9.
Foi
criado para os caminhos de Deus desde o início do tempo, quando, sujeitando-se
à forma visível de criatura, assumiu o estado de criação.
Capítulo 46.
10.
Vejamos,
então, para que caminhos de Deus e para que obras foi criada no início dos tempos
a Sabedoria nascida de Deus antes dos séculos. Quando Adão ouviu a voz daquele
que passeava no Paraíso, julgas que os passos do que passeava no paraíso foram ouvidos
de outro modo a não ser sob a aparência da criação assumida, subsistindo em alguma
criatura o que se ouviu passear? (Cf. Gn 3,8.)
11.
Não
indago sob que aparência falava com Caim e Abel, ou com Noé. E como seria
Aquele que abençoou Enoque? (Cf. Gn 4,6; 6,13; 5,24.) O Anjo conversa com Agar
(cf. Gn 16,8-13) e é certamente o mesmo Deus.
12.
Acaso
a aparência sob a qual o Anjo se mostra é a mesma daquele que possui a natureza
de Deus? Certamente se mostra sob a aparência de Anjo, no mesmo lugar em que
depois se fala da natureza de Deus. Mas, por que falo de Anjo? Um homem veio ao
encontro de Abraão (cf. Gn 18,2), Cristo enquanto é Homem, no modo de ser de
criatura, está presente tal como é enquanto é Deus?
13.
Fala
como homem, tem um corpo, toma alimentos, no entanto é adorado como Deus. Certamente
quem antes se mostrou como Anjo, agora também é Homem, para que não se entenda
serem estas diversas formas assumidas de sua criação o aspecto que corresponde
à natureza de Deus.
14.
Aparece
em forma humana a Jacó, a ponto de lutar corpo a corpo com ele, segurar as suas
mãos, esforçar-se com seus membros e inclinar-se para os lados, realizando
todos os nossos movimentos e gestos (cf. Gn 32,24-30). Depois, mostra-se a
Moisés como fogo (cf. Ex 3,2) para aprenderes que a fé, na natureza criada, se
refere mais à figura da natureza criada do que à substância própria da sua
natureza.
15.
Teve,
então, o poder de queimar, sem que estivesse submetido à necessidade natural de
consumir-se, de modo que o fogo não causou à sarça nenhum dano.
Capítulo 47.
16.
Percorre
os tempos, e procura entender como foi visto por Josué, filho de Nun, Profeta
que tinha seu próprio nome (cf. Js 1,1), ou por Isaías, que disse tê-lo
visto, como testemunha o Evangelho (cf. Is 6,1; Jo 12,41), ou por Ezequiel, a
quem foi dado o conhecimento da ressurreição (cf. Ez 37,1-14). Daniel confessou
o Filho do Homem no eterno reino dos séculos (cf. Dn 7,13-14). A muitos outros
se apresentou sob o aspecto de várias criaturas, para o conhecimento dos
caminhos de Deus e para as obras de Deus, isto é, para o conhecimento de Deus e
para o bom êxito de nossa eternidade.
17.
Por
que, então, a economia da salvação humana provoca um ataque tão ímpio contra o nascimento
eterno? Esta criação pertence ao princípio dos tempos, porém o nascimento infinito
tem lugar antes dos tempos. Contesta, com razão, nossas afirmações, se o Profeta,
se o Senhor, se o Apóstolo, se qualquer palavra referente à eterna natividade empregou
o nome de criatura.
18.
Pois
em todos os casos, Deus, que é fogo abrasador, tomou a forma de uma criatura
para voltar a deixá-la com o mesmo poder com que assumiu e é poderoso para
eliminar de novo aquilo que fora feito apenas para que Ele pudesse ser visto.
Capítulo 48.
19.
A
santa e verdadeira natividade da carne concebida no seio da Virgem foi dita
pelo Apóstolo feita e criada porque nasceu a natureza e aparência
própria de nossa condição de criatura. Certamente, segundo ele, o nome de criatura
corresponde à verdadeira natividade, enquanto Homem: Mas, quando veio a
plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, feito a partir de uma mulher,
feito sob a Lei, para redimir aqueles que estão sob a Lei para conseguirmos a
adoção de filhos (Gl 4,4).
20.
Portanto,
Aquele que existe como criatura no Homem como Homem, sendo não somente feito,
mas criado, é o Filho de Deus, pois foi dito: em conformidade com a
verdade que está em Jesus; renunciando a vossa existência passada, precisais
despojar-vos do homem velho que se corrompe sob o efeito das concupiscências
enganosas, precisais ser renovados pela transformação espiritual de vossa
inteligência e revestir o Homem Novo, criado segundo Deus (Ef 4,21-24).
21.
Temos
de revestir aquele Homem novo, que foi criado segundo Deus, pois o que era
Filho de Deus também nasceu como Filho do Homem.
22.
Não
se trata de nascimento da divindade, mas de criação da carne; por isso, o Homem
novo, criado segundo Deus, nascido antes dos séculos, recebe o nome de seu
gênero.
23.
O
Apóstolo mostrou como foi criado o Homem novo segundo Deus, quando acrescentou:
Na justiça e santidade, que vêm da verdade (Ef 4,24). Nele não havia
dolo e tornou-se, para nós, justiça e santificação (cf. 1Cor 1,30). Ele mesmo é
a verdade. Revestimos, portanto, este Cristo criado como Homem novo segundo
Deus.
Capítulo 49.
24.
A
Sabedoria, quando diz que se lembra de que foi feita desde o início, afirma que
foi criada para as obras de Deus e para os seus caminhos. Ensina ter sido
criada antes dos séculos, para que não parecesse que o mistério pelo qual
assumiu, de modo tão variado e frequente, a criação, mudasse sua natureza.
25.
Na
verdade, a firmeza de sua constituição não permite uma perturbação que afete
seu ser. Por outro lado, para que não se pensasse que o ter sido constituída
fosse uma alusão a algo diferente da natividade, declarou ter sido gerada
antes de todas as coisas. Por que agora a criação é referida à natividade, se aquela
que foi gerada antes de todas as coisas foi constituída antes dos séculos, e
aquela que foi constituída antes de todos os séculos foi criada desde o início
dos tempos para o início dos caminhos de Deus e suas obras, de tal modo que se
pode entender que a criação no começo dos tempos é diferente daquela natividade
que é anterior aos séculos e a todas as coisas? Não tem nenhuma desculpa a
impiedade que pretende disfarçar o erro.
Capítulo 50.
26.
A
fraqueza da inteligência pode dificultar a compreensão da fé de forma a não se poder
entender a natureza da criação. Contudo, segundo o dito do Apóstolo, que
atribui à verdadeira natividade o nome de obra, deve-se pensar que a
criação, de maneira imprecisa, mas não ímpia, deve levar à fé na geração
eterna. Parece que o Apóstolo, quando ia anunciar o nascimento do que é Um e
procede do que é Um, isto é, o nascimento do Senhor concebido pela Virgem, sem
paixões humanas, não julgou ser fora de propósito dizer que Aquele sabia como
tinha nascido e que frequentemente anunciava que fora feito de mulher (Gl
4,4).
27.
Pretendia,
porém, que a natividade nos mostrasse a verdade da geração e que a palavra feito
afirmasse a natividade do que é Um procedendo do que é Um, porque a palavra
feito exclui a concepção de uma vida originada de uma união humana, e
por saber-se que foi feito de uma Virgem Aquele a respeito de cujo nascimento
não havia dúvidas.
28.
Vê,
ó herege, como és ímpio! Que Jesus Cristo tenha sido criado por Deus, não foi
dito por nenhuma palavra evangélica ou apostólica. Foi dito, sim, que nasceu,
mas tu negas a natividade e afirmas que Ele é criatura. Não o dizes de acordo
com o sentido dado pelo Apóstolo, que afirma ter sido feito para que não se duvidasse
de que tinha nascido como Um do que é Um, mas no sentido mais ímpio, de tal
modo que, em tua opinião, Cristo não subsistiria como Deus por natividade
natural, mas, antes, existiria como criatura, vindo do nada.
29.
É
este o primeiro veneno da tua mente infeliz: não dizer que é também criatura o
que nasceu, mas dizer que crês na criação e não na natividade. Isto é próprio
de uma inteligência mesquinha, mas talvez não o seja de uma mente de todo
irreligiosa. Podes ter dito criado para que se conhecesse sua natividade,
vindo de Deus, sem nenhuma paixão, como o nascimento daquele que é Um
procedendo do que é Um.
Capítulo 51.
30.
A
fé apostólica não aceita nada disto, pois sabe que Cristo foi criado no tempo
em vista da economia da salvação. Também sabe como nasceu na eternidade,
anterior aos tempos.
31.
Tendo
nascido de Deus, é Deus. Não há dúvida de que nele está a divindade da verdadeira
natividade e perfeita geração.
32. Quanto à
divindade, nada mais professamos, a não ser que nasceu e que é eterno. Não
nasceu depois de alguma coisa, mas antes de tudo.
33. A natividade só
atesta que há um princípio, não indica
nenhuma outra coisa posterior a este princípio. No modo de ver comum,
certamente o Filho é o segundo em relação ao Pai, porque vem de Deus, mas não
pode ser separado do Pai que lhe dá origem, porque sempre que nossa
inteligência tentar ir além da ideia de natividade, nesta mesma medida terá de
ir além da noção de geração.
34. A única linguagem
piedosa sobre Deus é esta: conhecer o Pai e conhecer, com Ele, Aquele que
procede dele, como Filho. Só queremos
ensinar, sobre Deus, que é Pai do Deus Unigênito e criador. Que a fraqueza humana
não tente ir além e diga somente isto, porque somente nisto há salvação: que tenha
nascido o Senhor Jesus Cristo antes da Encarnação.
Capítulo 52. (Oração Final de Hilário)
35.
Enquanto
estiver animado pelo Espírito que, por ti, me foi concedido, eu te confessarei,
com todas as minhas forças, Pai santo e onipotente, como o Deus eterno e como o
eterno Pai. Nunca me deixarei levar pela ímpia insensatez de querer julgar os mistérios
da tua onipotência. Jamais permitirei que a fraqueza de meu espírito pretenda elevar-se
acima da noção verdadeira da tua infinidade e da fé na tua eternidade, como me
foram reveladas.
36.
Nunca
afirmarei que possas ter existido sem tua Sabedoria, tua Força, teu Verbo, Deus
Unigênito, meu Senhor Jesus Cristo. Que a palavra fraca e imperfeita de nossa
natureza não prejudique meu pensamento a teu respeito, de tal modo que a
indigência do meu falar faça calar a fé.
37.
Como
a palavra, a sabedoria e a força agem em nós por um movimento interior, assim
também teu Verbo, tua Sabedoria tua Força são, em ti, geração perfeita do Deus
perfeito. É sempre inseparável de ti Aquele que, por estes nomes eternos das
tuas propriedades, demonstra ter nascido de ti, de tal modo, porém, que indica
seres somente tu o seu Pai, e mais ninguém, para que não se perca a fé na sua
infinidade, ao afirmar que nasceu antes dos tempos eternos.
Capítulo 53.
38.
Tu
nos apresentas, nas coisas humanas, numerosos exemplos, nos quais, embora causas
sejam ignoradas, o efeito não é desconhecido. A fé deve existir onde existe o desconhecimento
próprio da nossa natureza.
39.
Quando
elevo aos céus estes meus olhos fracos, somente posso pensar que o céu é teu.
Contemplando os astros em seus círculos e retornos anuais, as Plêiades, a
estrela da manhã, a Ursa Maior em seus movimentos determinados, eu reconheço a
Ti, ó Deus, sem que minha inteligência possa abranger estas coisas. Ao ver os
maravilhosos movimentos de teu mar, não consigo apreender a origem das águas,
nem medir suas alternâncias. Percebendo, no entanto, a fé da razão, apesar de
serem imperscrutáveis as suas causas, mesmo naquilo que ignoro, não te desconheço.
40.
Quando
volto o pensamento para as terras, que, devido a causas ocultas, dissolvem o
que é semeado, vivificam o que é dissolvido, multiplicam o que é vivificado, fortificam
o que é multiplicado, nestas coisas nada encontro que minha inteligência possa entender.
41.
Minha
ignorância permite-me, no entanto, entender-te, pois não compreendendo a
natureza que aí está para servir-me, reconheço-te, nesta natureza que me serve.
Sem conhecer-me a mim mesmo, eu te admiro tanto mais quanto ignoro o que me diz
respeito.
42.
Se,
prestando atenção ao movimento, à razão ou à vida de minha mente, não os
entendo, mas sem entendê-los sinto-os, sentindo, sei que é a ti que os devo,
pois me concedes os sentidos para apreciar a natureza que me deleita, ainda que
não entenda a origem de meu ser. Ignorando o que me diz respeito, entendo-te e,
entendendo, adoro.
43.
Não
quero que, por não reconhecer o que é teu, a fé em tua onipotência se
enfraqueça, para que minha inteligência não deseje possuir nem submeter a si a
origem de teu Unigênito, e para que em mim não haja nada que me faça querer ir
além daquele que é meu Criador e meu Deus.
Capítulo 54.
44.
Seu
Nascimento é anterior aos séculos eternos. Se existe algo que preceda a eternidade,
haverá algo que exceda o sentido da eternidade. Ele é teu, é teu Unigênito, não
é porção, não é extensão, não é um nome vazio de conteúdo, para explicar tuas operações,
mas é o Filho, nascido de Ti, Deus Pai, verdadeiro Deus, gerado por ti na unidade
de tua natureza; deve ser confessado depois de ti, junto contigo, porque és o princípio
eterno de sua origem.
45.
Enquanto
procede de ti, é segundo em relação a ti; à medida, porém, que é teu, não podes
ser separado dele, porque ninguém pode confessar que tenhas existido sem o que
é teu, para que não sejas dito imperfeito sem a geração, nem sejas acusado de
ser supérfluo, depois da geração. Deste modo, a natividade eterna nos faz saber
que és o eterno Pai do Filho Unigênito, que procede de ti antes dos tempos eternos.
Capítulo 55.
46.
É
pouco, para mim, negar, por minha palavra ou minha fé, que meu Senhor e meu Deus,
Jesus Cristo, o teu Unigênito, seja uma criatura. Também não suportarei que se atribua
esse nome ao teu Espírito Santo, que vem de ti, enviado por meio de Teu Filho.
47.
Grande
é minha reverência para com aquilo que te diz respeito. Pelo fato de reconhecer
que somente Tu és inascível e que o teu Unigênito nasceu de ti, não direi nunca
ser o Espírito Santo gerado, nem criado. Receio da injúria contida neste nome
que tenho em comum com as outras criaturas tuas e que é dirigida também contra
ti. O Espírito Santo, segundo o Apóstolo (cf. 1Cor 2,10), sonda e conhece o que
há de profundo em ti, e, intercedendo, diante de ti, por mim, te diz, em meu
lugar, o que eu não poderia dizer. Eu não apenas o definiria, mas ofenderia
chamando de criatura o poder da natureza que vem de ti, por meio do teu
Unigênito.
48.
Nada
penetra em ti, a não ser o que te pertence, e a profundeza de tua imensa
majestade não pode ser medida por um poder estranho e alheio a ti. Tudo o que
há em ti é teu, e não é alheio a ti o que está no teu interior, com poder para
perscrutar teu ser.
Capítulo 56.
49.
Para
mim, é indescritível Aquele cujas palavras em meu favor são inenarráveis. Como,
a respeito daquele que, antes dos tempos eternos, nasceu de ti como teu Unigênito,
afastada toda ambiguidade das palavras e toda dificuldade em entendê-las, apenas
permanece que tenha nascido, também estou certo de que, por meio dele, procede
de Ti o teu Espírito Santo, embora isto não me seja perceptível pelos sentidos.
Sou destituído de talento para as coisas espirituais, e já teu Unigênito havia
dito: Não te admires de te haver dito: deveis nascer de novo. O Espírito
sopra onde quer, e ouves o seu ruído; mas não sabes de onde vem nem para onde
vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu pela água e pelo Espírito Santo (Jo
3,7-8). Tenho fé em minha regeneração, porém, não a conheço, e o que ignoro, já
o possuo.
50.
Sem
que entenda, nasço de novo, e é eficaz o meu renascer. O Espírito não pode ser
contido: fala quando quer, diz o que quer e onde quer. Se a causa de seu ir e
vir não é conhecida, embora se saiba que está presente, iria eu colocar sua
natureza entre as criaturas, estabelecer-lhe limites e determinar sua origem?
Tudo foi feito por meio do Filho, visto que João diz que no princípio o Deus Verbo
existia junto de ti, Deus (cf. Jo 1,1-3).
51.
Paulo
enumera todas as coisas criadas, as do céu e as da terra, as visíveis e as
invisíveis (cf. Cl 1,16), e, tendo relembrado que tudo foi criado em
Cristo e por Cristo, julgou suficiente dizer sobre o Espírito Santo que é teu
Espírito. Pensarei o mesmo que estes homens eleitos por ti e, como eles,
nada direi que exceda o entendimento humano sobre o Espírito Santo, a não ser
que é o teu Espírito. Quero que esta não seja uma inútil luta de palavras, mas
a constante confissão da inabalável fé.
Capítulo 57.
52.
Conserva,
eu te suplico, intacta e inabalável esta minha fé e, até o último suspiro, dá-me
testemunhar minha convicção. Que mantenha sempre fielmente aquilo que, no Símbolo
do meu novo nascimento, ao ser batizada no Pai e no Filho e no Espírito Santo, professei.
53.
Que
a Ti, nosso Pai, e a teu Filho, juntamente contigo, sempre adore, e que eu receba
como dom o teu Espírito Santo, que procede de ti, por meio do teu Unigênito. Porque
tenho como testemunha idônea de minha fé Aquele que diz Pai, tudo o que é meu
é teu, e o que é teu é meu (Jo 17,10), meu Senhor Jesus Cristo, que
permanece em ti, procede de ti, está junto de ti e é sempre Deus bendito pelos
séculos dos séculos. Amém.
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serviu para sua espiritualidade?