quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Estudo 18 - Livro III - Capítulos 1 a 5

18
História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro III - Capítulos 01 a 05


Texto Bíblico: I Pedro 5.10
 



I - Em que partes da terra os apóstolos pregaram sobre Cristo
II - Quem foi o primeiro que presidiu a Igreja de Roma
III - Sobre as cartas dos apóstolos
IV - Sobre a primeira sucessão dos apóstolos
V - Sobre o último assédio dos judeus depois de Cristo


I - Em que partes da terra os apóstolos pregaram sobre Cristo
1.            Esta era a situação dos judeus, enquanto os santos apóstolos e discípulos de nosso Salvador haviam se espalhado por toda a terra: a Tomás, como quer uma tradição, coube a Partia; a André a Cítia, a João a Ásia, entre os quais[1] se estabeleceu, morrendo em Éfeso.
2.            Pedro, segundo parece, pregou no Ponto, na Galácia e na Bitínia, na Capadócia e na Ásia[2], aos judeus da diáspora; por fim chegou a Roma e foi crucificado com a cabeça para baixo, como ele mesmo pediu para sofrer.
3.     E o que dizer de Paulo, que desde Jerusalém até o Ilírico cumpriu com a pregação do Evangelho de Cristo[3] e finalmente sofreu martírio em Roma sob Nero? Isto é dito por Orígenes literalmente no tomo III de seus Comentários ao Gênesis[4].

 II - Quem foi o primeiro que presidiu a Igreja de Roma
1. Depois do martírio de Paulo e de Pedro, o primeiro a ser eleito para o episcopado da Igreja de Roma foi Lino. Ele é mencionado por Paulo quando escreve de Roma a Timóteo, na despedida ao final da carta[5].

III - Sobre as cartas dos apóstolos
1.                De Pedro reconhecemos uma única carta, a chamada I de Pedro. Os pró­prios presbíteros antigos utilizaram-na como algo indiscutível em seus próprios escritos. Por outro lado, sobre a chamada II carta, a tradição nos diz que não é testamentária[6]; ainda assim, por parecer proveitosa a muitos, é tomada em consideração junto com as outras Escrituras.
2.       Quanto aos Atos que levam seu nome e o Evangelho dito como seu, assim como a Pregação que se diz ser sua e o chamado Apocalipse, sabemos que de modo algum foram transmitidos entre os escritos católicos, pois nenhum autor eclesiástico, nem antigo nem moderno, utilizou testemunho tirado deles.
3.       À medida em que avance esta História farei propositadamente que, junto às sucessões, sejam indicados os escritores eclesiásticos, segundo as épocas, que utilizaram os livros discutidos e quais deles, e também o que dizem dos escritos testamentários e admitidos, e dos que não o são.
4.             Pois bem, os escritos que levam o nome de Pedro, dos quais somente uma única carta conhecemos como autêntica e admitida pelos presbíteros antigos, são os já referidos.
5.             Por outro lado, é evidente e claro que as catorze cartas são de Paulo. Contudo, não é justo ignorar que alguns rechaçaram a carta aos Hebreus, dizendo que a Igreja de Roma não a admite por crer que não é de Paulo. O que foi dito sobre ela por aqueles que me precederam será exposto a seu devido tempo. Naturalmente, também não aceitei entre os escritos indiscutidos os Atos que se dizem ser dele.
6.             Mas, como ocorre que o mesmo apóstolo, nas despedidas finais da carta aos Romanos, menciona, junto com outros, a Hermas - de quem se diz que é o livro do Pastor-, deve-se saber que alguns também rechaçam este livro e que por causa deles não se pode contá-lo entre os admitidos; por outro lado, outros julgam-no muito necessário, especialmente para os que preci­sam de uma introdução elementar. Por esta razão sabemos que foi lido publicamente nas igrejas e comprovamos que alguns escritores dos mais antigos fizeram uso dele.
7.      Baste o dito como exposição de quais são as divinas Escrituras não discutidas e quais são as que nem todos admitem.

IV - Sobre a primeira sucessão dos apóstolos
1.                Que Paulo pregou aos gentios e que, desde Jerusalém até o Ilírico, deitou os alicerces das igrejas, está bem claro em suas próprias palavras[7] e no que Lucas narra nos Atos.
2.       Pelas palavras de Pedro em sua Carta, da qual já dissemos que é aceita, e que escreve aos hebreus da diáspora, moradores do Ponto, da Galácia, da Capadócia, da Ásia e da Bitínia, percebe-se claramente em que províncias ele pregou a Cristo e transmitiu a doutrina do Novo Testamento aos que procediam da circuncisão[8].
3.                Não é porém fácil dizer quantos e quais destes, convertidos em homens de zelo genuíno, foram considerados capazes de apascentar as igrejas fundadas por estes apóstolos, a não ser os que podem ser vistos nos escritos de Paulo.
4.       Este realmente teve inúmeros colaboradores e - como ele mesmo os chama - companheiros de luta[9]. A maior parte ele considera digna de memória imorredoura e em suas próprias cartas dá contínuo testemunho deles. E não somente isto, mas também Lucas nos Atos dá uma lista dos discípulos de Paulo e os menciona pelo nome.
5.             Pelo menos sobre Timóteo refere-se que foi o primeiro a ser designado para o episcopado da igreja de Éfeso[10], assim como Tito, das igrejas de Creta[11].
6.             Lucas, por outro lado, oriundo de Antioquia por sua linhagem e médico de profissão[12], foi durante a maior parte do tempo companheiro de Paulo. Mas seu trato com os outros apóstolos também não foi superficial: deles adquiriu a terapêutica das almas, da qual nos deixou exemplos em dois livros divinamente inspirados: o Evangelho, que ele confessa ter composto segundo o que lhe transmitiram os que foram testemunhas oculares e se fizeram servidores da doutrina, dos quais ele diz que seguiu já desde o começo[13], e os Atos dos Apóstolos que compôs, já não com o que tinha ouvido, mas com o que viu com os próprios olhos.
7.      Diz-se também que Paulo costumava mencionar o Evangelho de Lucas sempre que, escrevendo, dizia como se se tratasse de um evangelho seu: segundo meu Evangelho[14].
8.      Dos restantes seguidores de Paulo, está provado que Crescente foi enviado por ele à Gália[15]; e Lino, que é mencionado na II carta a Timóteo indican­do que se encontra com ele em Roma[16], já foi demonstrado anteriormente que foi designado para o episcopado da igreja de Roma, o primeiro depois de Pedro.
9.             Paulo também atesta que Clemente - instituído terceiro bispo da Igreja de Roma - foi seu colaborador e companheiro de luta[17].
10.     Além destes há também o areopagita chamado Dionísio, sobre o qual Lucas escreve nos Atos[18] que foi o primeiro que creu depois do discurso de Paulo aos atenienses no Areópago, e de quem outro antigo Dionísio, pastor da igreja de Corinto, conta que foi o primeiro bispo de Atenas.
11. Mas, à medida que avançarmos no caminho, diremos oportunamente, segundo as épocas, o referente à sucessão dos apóstolos. Agora sigamos o fio da narrativa.

V - Sobre o último assédio dos judeus depois de Cristo
1.            Depois de Nero ter exercido o poder durante treze anos, e tendo os reinados de Galba e Oto durado um ano e seis meses, Vespasiano, que havia se distinguido nas operações bélicas contra os judeus, foi nomeado imperador na própria Judéia, após ser proclamado senhor absoluto pelo exército ali acampado. Encaminhando-se então a Roma, pôs em mãos de seu filho Tito a guerra contra os judeus.
2.            Depois da ascensão de nosso Salvador, os judeus acrescentaram ao crime cometido contra ele a invenção de inúmeras ameaças contra seus apóstolos: Estevão foi o primeiro que eliminaram, apedrejando-o[19]; depois dele, Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João, a quem decapitaram[20]; e depois de todos, Tiago, o que depois da ascensão de nosso Salvador foi o primeiro designado para o trono episcopal de Jerusalém e morreu da forma que já descrevemos. E os demais apóstolos sofreram milhares de ameaças de morte e foram expulsos da terra da Judéia. Porém, com o poder de Cristo, que havia-lhes dito: Ide e fazei discípulos de todas as nações em meu nome [21], dirigiram seus passos para todas as nações para ensinar a mensagem.
3.            E não apenas eles. Também o povo da igreja de Jerusalém, por seguir um oráculo enviado por revelação aos notáveis do lugar, receberam a ordem de mudar de cidade antes da guerra e habitar certa cidade da Peréia chamada Pella. Tendo os que creram em Cristo emigrado até lá desde Jerusalém, a partir deste momento, como se todos os homens santos tivessem abandonado por completo a própria metrópole real dos judeus e toda a região da Judéia, a justiça divina alcançou os judeus pelas iniqüidades que cometeram contra Cristo e seus apóstolos, e apagou dentre os homens toda aquela geração de ímpios.
4.   Quem pois quiser saber com exatidão os males que então caíram sobre a nação em todo lugar, e como especialmente os habitantes da Judéia viram-se empurrados ao fundo das calamidades, quantos milhares de jovens, de mulheres e de crianças morreram pela espada, pela fome, e inúmeras outras formas de morte, e quantas e quais cidades da Judéia foram sitiadas, e também quantos horrores e pior do que horrores atingiram os que se refugiaram na mesma Jerusalém, por ser um metrópole muito fortificada, assim como a índole de toda a guerra, os acontecimentos que nela se sucederam e como, finalmente, a abominação da desolação anunciada pelos profetas se instalou no próprio templo de Deus, tão célebre antigamente, que sofreu todo tipo de destruição e, por último, foi aniquilado pelo fogo: tudo isso encontrará na narrativa escrita por Josefo.
5.            Mas é necessário assinalar que este mesmo autor refere que o número dos que se concentraram nos dias da festa da Páscoa, vindos de toda a Judéia para Jerusalém, como num cárcere, para usar suas palavras, era de uns três milhões.
6.            Era necessário pois, que nos dias em que causaram a paixão do Salvador e benfeitor de todos e Cristo de Deus, nestes mesmos, encerrados como num cárcere, recebessem a ruína que os alcançava da justiça de Deus.
7.     Mas passando por alto o que lhes sobreveio e o que lhes foi feito pela espada e de outras maneiras, acho necessário apresentar apenas as cala­midades causadas pela fome, para que os que leiam este escrito possam saber em parte como não tardou muito para que os alcançasse o castigo divino por seu crime contra o Cristo de Deus.


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[1] O autor provavelmente estava pensando nos habitantes, escrevendo "entre os quais" e não "onde".
[2] 1 Pe 1:1.
[3] Rm 15:19.
[4] Esta obra de Orígenes está perdida.
[5] 2 Tm 4:21.
[6] Isto é, canônica.
[7] Rm 15:19.
[8] Gl 2:7-10.
[9] Fp 2:25.
[10] 1 Tm 1:3.
[11] Tt 1:5.
[12] Cl  4:14.
[13] Lc 1:2-3.
[14] Rm 2:l6;2 Tm 2:8.
[15] 2 Tm 4:10.
[16] 2 Tm 4:21.
[17] Fp 4:3.
[18] At 17:34.
[19] At 7:58-60.
[20] At 12:2.
[21] Mt 28:19.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Estudo 17 - Livro II - Capítulos 22 a 26

17
História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro II - Capítulos 22 a 26

 

XXII  - De como Paulo, enviado preso da Judéia a Roma, fez sua defesa e foi
absolvido de toda acusação.
XXIII  - De como Tiago, chamado irmão do Senhor, sofreu o martírio
XXIV  - De como Aniano foi nomeado primeiro bispo da Igreja de Alexandria depois de Marcos
XXV  - Da perseguição nos tempos de Nero, na qual Paulo e Pedro foram adornados com o martírio pela religião em Roma
XXVI - Dos inumeráveis males que envolveram os judeus e da última guerra que eles moveram contra os romanos

XXII  - De como Paulo, enviado preso da Judéia a Roma, fez sua defesa e foi
absolvido de toda acusação

1. Como sucessor deste, Nero enviou a Festo. Foi em seu tempo que Paulo sustentou seus direitos e foi enviado preso a Roma145. Com ele estava Aristarco, a quem em algum lugar de suas cartas chama com toda naturalidade de companheiro de cativeiro146. E Lucas, o que pôs por escrito os Atos dos Apóstolos, termina sua narrativa com estes acontecimentos, indicando que Paulo passou em Roma dois anos inteiros em liberdade provisória e que pregou a palavra de Deus sem nenhum obstáculo147.
2. É pois tradição148 que o Apóstolo, depois de haver pronunciado sua defesa, partiu novamente para exercer o ministério da pregação e que, tendo voltado pela segunda vez à mesma cidade, terminou sua vida com o martírio, nos tempos do mesmo imperador. Estando preso, compôs a segunda carta a Timóteo, e se refere de uma só vez a sua primeira defesa e a seu fim iminente.
3. Mas ouçamos melhor seu próprio testemunho: Em minha primeira defesa -diz - ninguém me ajudou, antes, todos me abandonaram (que isto não lhes seja posto em conta). Mas o Senhor me ajudou e me infundiu forças para que por mim a pregação fosse plenamente cumprida e todas as nações a ouvissem, e fui libertado da boca do leão149.
4. Por estas palavras deixa claramente expresso que na primeira ocasião, para que se cumprisse sua pregação, fora livrado da boca do leão, referindo-se com esta expressão, ao que parece, a Nero, por causa de sua crueldade. Por outro lado, em continuação não acrescenta nada como: me livrará da boca do leão, porque em seu espírito já via que sua morte seria iminente.
5. Por isso, às palavras: e fui libertado da boca do leão, acrescenta: O Senhor me livrará de toda obra má e me preservará para seu reino celestial150, indicando assim seu martírio iminente. Isto ele expressa ainda mais claramente um pouco antes, na mesma carta, quando diz: porque estou já sendo oferecido em libação e o tempo de minha partida está próximo151.
6. Pois bem, na segunda carta das que enviou a Timóteo afirma que, no momento em que a escrevia, somente Lucas o acompanha152, enquanto que, quando fez sua primeira defesa, nem sequer este153. De onde se deduz que Lucas provavelmente concluiu os Atos dos Apóstolos neste tempo, havendo narrado o que sucedeu enquanto esteve com Paulo.
6. Dissemos isto para mostrar que o martírio de Paulo não ocorreu durante sua primeira estada em Roma, descrita por Lucas154.
7. É provável que Nero, ao menos no começo155, estivesse mais propício e que aceitasse mais facilmente a defesa de Paulo em favor de sua doutrina, mas depois que avançou em sua audácia criminosa, atacou os apóstolos tanto quanto aos demais.

XXIII  - De como Tiago, chamado irmão do Senhor, sofreu o martírio
1. Ao apelar Paulo ao César e ser enviado por Festo à cidade de Roma156, os judeus, frustrada a esperança que os induziu a conspirar contra ele157, voltaram-se contra Tiago, o irmão do Senhor, a quem os apóstolos tinham confiado o trono episcopal de Jerusalém. O que segue é o que ousaram fazer também contra ele.
2. Trouxeram-no, e diante de todo o povo pediram-lhe que renegasse a fé de Cristo. Mas quando ele, contra a vontade de todos, com voz livre e falando mais abertamente do que esperavam, diante de toda a multidão pôs-se a confessar que nosso Salvador e Senhor Jesus era filho de Deus, já não foram capazes de suportar mais o testemunho deste homem, justamente porque era considerado o mais justo de todos pelo grau de sabedoria e piedade a que havia chegado em sua vida, e mataram-no, aproveitando oportunamente a falta de governo, pois tendo Festo morrido na Judéia neste tempo, a administração do país ficou sem chefe e sem controle158.
3. O modo como ocorreu a morte de Tiago já foi esclarecido pelas palavras citadas de Clemente159, que conta como o lançaram do pináculo do templo e espancaram-no até matá-lo. Mas quem conta com maior exatidão o que a ele se refere é Hegesipo, que pertence à primeira geração sucessora dos apóstolos160 e que no livro V de suas Memórias diz assim:
4. "Sucessor161 na direção da Igreja é, junto com os apóstolos, Tiago, o irmão do Senhor. Todos dão-lhe o sobrenome de "Justo", desde os tempos do Senhor até os nossos, pois eram muitos os que se chamavam Tiago.
5. Mas somente este foi santo desde o ventre de sua mãe. Não bebeu vinho nem bebida fermentada, não comeu carne; sobre sua cabeça não passou tesoura nem navalha e tampouco ungiu-se com azeite nem usou do banho.
6. Somente a ele era permitido entrar no santuário, pois não vestia lã, mas linho. E somente ele penetrava no templo, e ali se encontrava ajoelhado e pedindo perdão por seu povo, tanto que seus joelhos ficaram calejados como os de um camelo, por estar sempre de joelhos adorando a Deus e pedindo perdão para o povo.
7. Por sua eminente retidão era chamado "o Justo" e "Oblías", que em grego quer dizer proteção do povo e justiça, como declaram os profetas acerca dele.
8. Assim pois, alguns das sete seitas que há no povo e que eu descrevi anteriormente (nas Memórias) tentavam informar-se com ele quem era porta de Jesus, e ele respondia que este era o Salvador.
9. Alguns creram que Jesus era o Cristo. Mas as seitas mencionadas anteriormente não creram nem na ressurreição nem em que venha a dar a cada um segundo suas obras162. Mas os que creram, creram por Tiago.
10. Sendo pois, muitos os que creram, inclusive entre as autoridades163, os judeus, escribas e fariseus se alvoroçaram dizendo: todo o povo corre perigo ao esperar o Cristo em Jesus. Reuniram-se pois ante Tiago e disseram: Nós te pedimos: retém ao povo, que está em erro a respeito de Jesus, como se ele fosse o Cristo. Pedimo-te que convenças a respeito de Jesus todos os que vierem para o dia da Páscoa, porque a ti todos obedecem. Efetivamente, nós e todo o povo damos testemunho de ti, de que és justo e não te deixas levar pelas pessoas.
11. Tu pois, convence a toda a multidão para que não se engane a respeito do Cristo. Todo o povo e nós mesmos te obedecemos. Ergue-te pois sobre o pináculo do templo para que do alto sejas visível e todo o povo ouça tuas palavras, pois por causa da Páscoa reúnem-se todas as tribos, inclusive com os gentios.
12. E assim os mencionados escribas e fariseus puseram Tiago em pé sobre o pináculo do templo e disseram-lhe aos gritos: "O tu, o justo!, a quem todos devemos obedecer, posto que o povo anda extraviado atrás de Jesus o crucificado, diga-nos quem é a porta de Jesus."
13. E ele respondeu com grande voz: "Por que me perguntam sobre o Filho do homem? Ele também está sentado no céu à direita do grande poder e há de vir sobre as nuvens do céu164."
14. E sendo muitos os que se convenceram completamente e ante o testemunho de Tiago, irromperam em louvores dizendo: "Hosana ao filho de Davi!". Então os mesmos escribas e fariseus novamente disseram uns aos outros: "Fizemos mal em proporcionar tal testemunho a Jesus, mas subamos e lancemo-lo para baixo, para que tenham medo e não creiam nele."
15. E puseram-se a gritar dizendo: "Oh! Oh! Também o Justo extraviou-se!" E assim cumpriram a Escritura que se encontra em Isaías: Tiremos de nosso meio o justo, que nos é incômodo. Então comerão o fruto de suas obras.
16. Subiram pois e lançaram abaixo o Justo. E diziam uns aos outros: "Apedrejemos a Tiago o Justo!" E começaram a apedrejá-lo, porque ao cair não chegou a morrer. Mas ele, virando-se, ajoelhou-se e disse: "Eu te peço Senhor, Deus Pai: Perdoa-os, porque não sabem o que fazem.
17. E quando estavam assim apedrejando-o, um sacerdote, um dos filhos de Recab, filho dos Recabim, dos quais o profeta Jeremias havia dado testemunho165, gritava dizendo: Parai, que estais fazendo? O Justo roga por vós!
18. E um deles, tecelão, agarrou o bastão com que batia os panos e deu com este na cabeça do Justo, e assim foi que sofreu o martírio. Enterraram-no naquele lugar, junto ao templo, e ainda se conserva sua coluna naquele lugar ao lado do templo. Tiago era já um testemunho veraz para judeus e para gregos de que Jesus é o Cristo. E em seguida Vespasiano os sitiou166."
19. Isto é o que Hegesipo relata minuciosamente, concordando ao menos com Clemente. Tiago era um homem tão admirável e tanto havia-se espalhado entre todos a fama de sua retidão, que até os judeus sensatos pensavam que esta era a causa do assédio de Jerusalém, iniciado imediatamente depois de seu martírio, e que por nenhum outro motivo estavam eles sofrendo-o senão pelo crime sacrílego cometido contra ele.
20. Na verdade, pelo menos Josefo não vacilou em atestar também isto por escrito com estas palavras:
"Isto sucedeu aos judeus como vingança por Tiago o Justo, irmão de Jesus, o chamado Cristo,  porque exatamente os judeus o mataram, ainda que fosse um homem justíssimo167."
21. O mesmo autor descreve também a morte de Tiago no livro XX de suas Antigüidades com estas palavras:
"Sabendo César da morte de Festo, enviou a Albino como governador da Judéia. Mas Ananos o Jovem, sobre quem já dissemos que havia recebido o sumo sacerdócio, tinha um caráter especialmente resoluto e atrevido e formava parte da seita dos Saduceus, que nos juízos eram justamente os mais cruéis entre os judeus, como já demonstramos.
22. Ananos sendo pois assim, considerando oportuna a ocasião por haver morrido Festo e achar-se Albinus ainda a caminho, convocou a assembléia de juízes, e fazendo conduzir perante ela o irmão de Jesus, chamado Cristo - chamava-se Tiago - e alguns mais para acusá-los de violar a lei, entregou-os para que fossem apedrejados.
23. Mas todos os cidadãos considerados os mais sensatos e mais fiéis observadores da lei levaram a mal esta sentença e enviaram uma delegação secreta ao rei168 para pedir-lhe que escrevesse a Ananos para que não levasse a cabo tal coisa, porque já desde o começo não agia com retidão. Alguns deles inclusive saíram ao encontro de Albinus, que viajava desde Alexandria, para informá-lo de que sem seu parecer não era permitido a Ananos convocar a assembléia.

24. Persuadido Albinus com o que lhe disseram, escreveu irritado a Ananos, ameaçando-o de pedir-lhe contas. E o rei Agripa destituiu-o por este motivo do sumo sacerdócio, que exercia há três meses, e instituiu a Jesus, o filho de Dameo."
Esta é a história de Tiago, do qual se diz que é a primeira carta das chamadas católicas.
25. Mas deve-se saber que não é considerada autêntica. Dos antigos não são muitos os que a mencionam, assim como a chamada de Judas, que é também uma das sete chamadas católicas. Ainda assim, sabemos que também estas, junto com as restantes, são utilizadas publicamente na maioria das igrejas.

XXIV  - De como Aniano foi nomeado primeiro bispo da Igreja de Alexandria depois de Marcos
1. Transcorrendo o oitavo ano do império de Nero, o primeiro que recebeu em sucessão o governo da igreja de Alexandria depois de Marcos foi Aniano.

XXV  - Da perseguição nos tempos de Nero, na qual Paulo e Pedro foram adornados com o martírio pela religião em Roma
1. Firmado Nero no poder, deu-se a práticas ímpias e tomou as armas contra a própria religião do Deus do universo. Descrever de que maldades foi capaz este homem não é tarefa para a presente obra.
2. Já que, sendo muitos os que transmitiram em relatos precisos suas maldades, quem queira poderá aprender destes sobre a grosseira demência deste homem estranho que, levado por ela e sem a menor reflexão, produziu a morte de inúmeras pessoas e a tal ponto levou seu afã homicida que não se deteve nem mesmo ante os mais chegados e queridos, mas que até a sua mãe, seus irmãos, sua esposa e com eles muitos familiares, fez perecer com variadas formas de morte, como se fossem adversários e inimigos.
3. Mas deve-se saber que a tudo o que foi dito sobre ele faltava acrescentar que foi o primeiro imperador que se mostrou inimigo da piedade para com Deus.
4. Disto faz menção também o latino Tertuliano quando diz: "Leiam vossas memórias. Nelas encontrareis que Nero foi o primeiro a perseguir esta doutrina, principalmente quando, depois de submeter todo o Oriente, em Roma era cruel para com todos. Nós nos ufanamos de ter um assim como autor de nosso castigo, porque quem o conhecer compreenderá que Nero não podia condenar nada que não fosse um grande bem."
5. Assim pois, este, proclamado primeiro inimigo de Deus entre todos os que o foram, levou sua exaltação ao ponto de fazer degolar os apóstolos. De fato, diz-se que sob seu império Paulo foi decapitado na própria Roma, e que Pedro foi crucificado. E disto da fé o título de Pedro e Paulo que predominou para os cemitérios daquele lugar até o presente.
6. Também o confirma um varão eclesiástico chamado Caio, que viveu quando Zeferino era bispo de Roma. Disputando por escrito com Proclo, líder da seita catafriga, diz sobre os lugares onde estão depositados os sagrados despojos dos mencionados apóstolos o seguinte:
7. "Eu, por outro lado, posso mostrar-te os troféus dos apóstolos, porque se queres ir ao Vaticano ou ao caminho de Ostia, encontrarás os troféus dos que fundaram esta igreja169."
169 Refere-se aos sepulcros ou túmulos de Pedro e Paulo.
8. Que ambos sofreram martírio na mesma ocasião é afirmado por Dionísio, bispo de Corinto, em sua correspondência escrita com os romanos, nos seguintes termos:
"Nisto também vós, por meio de semelhante admoestação, fundistes as searas de Pedro e de Paulo, a dos romanos e a dos Coríntios, porque depois de ambos plantarem em nossa Corinto, ambos nos instruíram, e depois de ensinarem também na Itália no mesmo lugar, os dois sofreram martírio na mesma ocasião." Sirva também isto para maior confirmação dos fatos narrados.

XXVI - Dos inumeráveis males que envolveram os judeus e da última guerra que eles moveram contra os romanos
1. Ao descrever Josefo com todo pormenor as desgraças que se abateram sobre toda a nação judia, além de muitas outras coisas, explica textualmente que muitíssimos judeus dos mais importantes, depois de serem ultrajados com a pena de açoites, foram crucificados por Floro na própria Jerusalém, e que este era procurador da Judéia quando novamente começou a acender-se a guerra, no décimo segundo ano do império de Nero.
2. Depois diz que, após a revolta dos judeus, toda a Síria foi tomada por uma confusão espantosa; por toda parte os próprios habitantes das cidades maltratavam sem piedade os dessa raça, como se fossem inimigos, de forma que se podia ver as cidades repletas de cadáveres insepultos: corpos de anciãos jogados junto aos de crianças, e cadáveres de mulheres sem nada que cobrisse suas nudezes. Toda a província transbordava de calamidades indescritíveis. Mas a violência do que os ameaçava era maior do que os crimes de cada dia. Isto é o que literalmente diz Josefo. Esta era a situação dos judeus.

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Notas:
144 At 21:38.
145 At 25:8-12; 27:1-2.
146 Cl 4:10.
147 At 28:30-31.
148 Tradição escrita, pela expressão utilizada.
149 2 Tm 4:16-17.
150 2 Tm 4:18.
151 2 Tm 4:6.
152 2Tm4:11.
153 2 Tm 4:16.
154 Em princípios do século IV, quando Eusébio escrevia esta obra, alguns negavam que Paulo tivesse feito duas viagens a Roma.
155 Entre os anos 54 e 59, tempos de calma e bem-estar, Nero ouvia mais os conselhos moderados de Burro e Sêneca do que os de sua mãe Agripina.
156 At 25:11-12; 27:1.
157 At 23:13-15; 25:3.
158 Verão ou outono de 62, entre a morte de Festo e a chegada de seu sucessor Luceius Albinus.
159 Vide I:V
160 Hegesipo nasceu no ano 110, pode ter conhecido alguns membros da comunidade primitiva, ainda que muito velhos, mas não pode ser de forma alguma "da primeira geração" pós-apostólica.
161 Não fica claro de quem Tiago seria sucessor.
162 Rm 2:6; Sl 62:13 (62:12); Pv 24:12; Mt 16:27; Ap 22:12.
163 Jo 12:42.
164 Mt 26:64; Mc 14:62; At 7:56.
165 Jr 35:2-19.
166 Vespasiano começou a guerra contra os judeus em 67, mas Jerusalém foi sitiada por seu filho Tito em 70.
167 Desconhece-se este trecho nos manuscritos de Flavio Josefo, como Eusébio, contrário a seu costume, não cita obra nem livro, pode tê-la recolhido de outro autor, como Orígenes.
168 Agripa II (50-100).
169 Refere-se aos sepulcros ou túmulos de Pedro e Paulo.